Arquivo mensal: junho 2012

Cinema: Retrospectiva da produção de uma arte no Brasil

Como o dia 19 de junho é a data comemorativa do cinema brasileiro, eu resolvi fazer esse post com a minha reportagem que foi publicada na revista 3X4 da FABICO/UFRGS em 2011/2. Aqui está a versão da minha reportagem na íntegra, com alguns extras, inclusive com um parágrafo que eu tive que retirar na época para poder entrar nesta edição impressa (fatiar o texto é o que eu não gosto no jornalismo impresso). Espero que gostem. Segue a reportagem aí abaixo:

A produção de uma arte: O cinema

O cinema, ah o cinema. A sétima arte surgiu timidamente com algumas pequenas invenções que davam aos nossos olhos ilusões de movimento. Mas só quando Eadweard Muybridge, no ano de 1872, alinhou 24 câmeras fotográficas ao longo de uma pista de corrida, obtendo a imagem real de um cavalo correndo, tivemos a primeira sensação do que poderia ser um filme. A junção das imagens, num determinado intervalo de tempo, faz com que o cavalo esteja em movimento. Hoje essas fotografias em série, no cinema, são chamadas de fotogramas. Dá uma olhada no experimento:

Alguns anos depois, aproximadamente em 1890, foi criado por Thomas Edison e William Dickson o cinetoscópio, que era uma caixa de madeira onde as pessoas assistiam a filmes através de um orifício. Por volta de 1895, os irmãos Lumiére na França aperfeiçoaram essa invenção e criaram o cinematógrafo. Um aparelho que além da função de filmar podia também projetar as imagens em uma tela. A primeira sessão comercial durou aproximadamente vinte minutos, sendo projetados dez filmes. Confere aí um pouco do que foi apresentado nesse dia:

E no Brasil, como foi? No nosso país a primeira exibição de cinema foi em 1896, no Rio de Janeiro, através dos irmãos italianos Segreto, os pioneiros em filmagens aqui no Brasil. Os primeiros filmes nacionais eram feitos pelos proprietários de salas de cinemas com um caráter mais documental mostrando a realidade nacional, como festas, cerimônias, aspectos da cidade e reconstituições de crimes famosos. Com o tempo, o cinema nacional evoluiu e, na década de 30, surgiram produtoras como a Brasil Vita Filmes e a Cinédia. Na Cinédia tivemos o mais importante filme mudo brasileiro, Limite de Mario Peixoto, que fez mais sucesso na Europa do que aqui, um filme que explorou ângulos e cortes diferentes do que era feito na época. Pra quem quiser assistir o filme Limite completo:

Na década seguinte, através da Atlântida Cinematográfica, o gênero chanchada ganha espaço e teve como grandes astros Oscarito e Grande Otelo. Esse tipo de filme tratava de problemas do cotidiano com um humor de fácil compreensão popular, tendo como o tema carnavalesco algumas comédias musicais.

Veja um dos grandes sucessos da Atlântida com Grande Otelo e Oscarito (a dona do canal só deu permissão para assistir diretamente no site, basta clicar no ícone do YouTube na barra de ferramentas ou no link após apertar o Play):

No final da década de 40, surgiu a primeira produtora de filmes no Brasil no estilo hollywoodiano, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, onde o seu lema era “a produção brasileira de padrão internacional”. Ocupando um terreno da família Matarazzo em São Bernardo do Campo, interior de São Paulo, Franco Zampari junto com empresários e banqueiros paulistas criam a Vera Cruz. As produções tinham um alto custo, pois muitos dos técnicos que trabalhavam lá eram estrangeiros, além da manutenção de toda a estrutura que possuía a companhia. Apesar da qualidade técnica e artística, a Vera Cruz durou aproximadamente cinco anos, produzindo 22 filmes. O fim dessa produtora se deve aos elevados orçamentos para cada filme e a falta de apoio governamental, que não criava barreiras com os filmes estrangeiros, gerando uma concorrência desigual aqui no país contra estúdios do exterior. Outro problema era na distribuição do filmes: os distribuidores e os exibidores no Brasil ficavam com mais de 60% da arrecadação. A obra mais conhecida da Vera Cruz é O Cangaceiro, o primeiro filme brasileiro premiado no Festival de Cannes.

Em contraposição as chanchadas e aos grandiosos custos nas produções nacionais, surgem dois movimentos: o Cinema Novo e o Cinema Marginal.

Irmãos briguentos: Cinema Novo e Cinema Marginal

Como já foi dito, esses dois movimentos tinham aversão as chanchadas e as grandes produções nos estúdios, pois eram vistos como alienados. Eles eram como irmãos: parecidos, se davam bem no começo, mas com o tempo acabaram se separando devido as suas diferenças de concepção do que era fazer cinema.

Surgindo nos anos 50 com o bordão clássico de Glauber Rocha, “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, junto com Cacá Diegues e outros cineastas que compunham o Cinema Novo, queriam fazer um cinema que fosse barato na sua produção, indo para as ruas com câmeras mais leves mostrando a realidade social brasileira com temas que falavam sobre o subdesenvolvimento do Brasil, tais como a fome no nordeste, miséria e etc. Tinham cenários simples ou naturais, imagens sem muitos movimentos, diálogos extensos entre os personagens e faziam uma mescla de atores profissionais com amadores. Os personagens eram retratados como representantes de uma classe social, pois os cinemanovistas queriam tratar da estrutura da sociedade, não importava o indivíduo em si. A ditadura militar e a repressão política fez com que o movimento enfraquecesse, fazendo com que alguns dos cineastas se exilassem. Segundo a pesquisadora na área do cinema, a Profª Drª Miriam Rossini, o Cinema Novo é um movimento que não entende nada das pessoas, um cinema elitista feito por intelectuais que olham para todo o restante com estranhamento. Era um intelectual afastado que falava sobre determinada situação sem viver a realidade do local para entender e saber como era de verdade. Muitos criticam o cinema novo por não ter ido às favelas que já existiam dentro da cidade, era mais fácil mostrar a realidade nordestina que está lá longe aonde ninguém chega. Uma das justificativas para isso acontecer era porque um banco de Minas Gerais financiava toda a produção dos filmes, por mais que os custos fossem baixos. Quem quiser assistir um dos primeiros filmes de Glauber Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol, fique à vontade:

O ex-assistente de Glauber Rocha, Júlio Bressane, junto com o pessoal mais jovem do cinema novo, entre eles Rogério Sganzerla, não aceitaram se adaptar as novas circunstâncias e criaram uma nova vertente, o Cinema Marginal. Vale lembrar que no Cinema Novo eles tinham praticamente a mesma idade e origem intelectual, porém os Marginais variam mais na sua faixa etária e classe social como lembra o jornalista João Carlos Rodrigues: “Vão de um cinquentão proletário (Ozualdo Candeias) a jovens revoltados da classe alta (Bressane), passando por escritores (Zé Agrippino) e diretores de teatro (Álvaro Guimarães) típicos da classe média.” Pode-se notar que no Cinema Marginal as imagens se apresentam em constante movimento como nos filmes de Sganzerla e João Trevisan e os constantes silêncios nos filmes de Júlio Bressane e Ozualdo Candeias. Essas duas vertentes começaram juntas, mas foi com o filme O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, que se afastaram completamente. Os marginais criaram uma rixa, pois eles achavam que o modelo e a estética tinham que mudar e ser mais radicalizado. Não se importavam com a censura existente, faziam críticas à tortura da ditadura através de cenas exageradas de violência e de fluidos corporais como o vômito. Os marginais produziam vários filmes com a mesma equipe em forma de revezamento, sendo que os primeiros filmes eram mais conscientes do que os últimos filmes, que eram mais radicais. Devido ao seu isolamento e a censura existente, o Cinema Marginal durou até meados dos anos 70, aproximadamente. Uma curiosidade é que o próprio Glauber Rocha já disse que tinha feito um filme na estética do Cinema Marginal, o filme Câncer de 1972. Esse filme levou quatro anos pra ser montado.

Quem quiser ver o filme completo do Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, confere aí abaixo:

O cinema hoje em dia

Foi se o tempo em que para se fazer um filme precisava de uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Hoje em dia precisa de dinheiro no bolso também, pois é muito caro fazer um filme com baixo orçamento. Tá certo que atualmente com uma câmera digital você pode filmar em HD ou com um simples aplicativo para o iPhone cria-se uma textura de Super-8, mas ainda estamos num momento de transição dessas tecnologias. O cineasta colombiano Juan Zapata afirma que futuramente essas tecnologias estarão mais acessíveis, muitas plataformas de distribuição, porém alerta que vai haver muita saturação de histórias e vai ser preciso um processo muito mais seletivo desse conteúdo.

Atualmente, os cineastas contam com o apoio do Estado para fazer um filme, através dos editais que podem ser federais, Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual, estaduais e municipais. Combinado a isso existem também os incentivos de empresas privadas e públicas, tudo aparecendo bem estampado no começo dos filmes nacionais. Esse foi o jeito que o Brasil encontrou para sustentar o seu cinema nos últimos anos, mas poderia ser mais discreto e rápido:

Eles estão trabalhando com o dinheiro público, estão ganhando quando investem no filme e ganham em publicidade em cima dos filmesressalta o cineasta Carlos Gerbase.

De acordo com os dois cineastas, existem dois empecilhos quando vai se fazer um filme, além da competição pelos editais. O primeiro seria a falta de credibilidade em relação ao cinema nacional, diz Zapata.

Falta roteiro, faltam boas atuações, com repetições do que está vendo na novela, mesmo elenco fazendo filmes, mesmo com sucesso não tem credibilidade no cinema.

O outro empecilho, segundo Gerbase, seria a desigual competição com os filmes estrangeiros, que tem uma facilidade para “chutar” um filme daqui com uma facilidade espantosa.

Nos dia atuais, os cineastas procuram novas formas de lançar os seus filmes. Carlos Gerbase, que já fez filmes com todos os tipos de recursos, lançou o filme 3 Efes simultaneamente nos cinemas, televisão, DVD e na internet através de um acordo com o portal Terra: “a gente pode continuar valorizando as salas, mas não podemos ficar condenados as salas de cinema”, afirma Gerbase. Juan Zapata vai lançar o filme Simone através do projeto Cinema em Rede, que é um novo modelo de financiamento de filmes. O dinheiro para a produção do longa é arrecadado por meio de um crowdfunding. Quem contribui com determinado valor, recebe prêmios ou brindes e se torna um incentivador cultural. O Cinema em Rede é uma rede social de trabalho coletivo que serve para viabilizar projetos.

Para mais detalhes sobre a história do cinema, você pode acessar esse site que tem uma linha cronológica com uma interface bem legal:

http://www.telabr.com.br/timeline/mundo

⊗ Na publicação impressa da revista 3X4, o professor, que orientava e era o editor-chefe da disciplina, não gostava que utilizássemos professores da UFRGS como fonte nas nossas reportagens. Como eu não pude publicar na época o nome da professora, resolvi aqui dar o devido crédito da informação.